Sem (por cento) Amor – Parte II

Mantinha-se céu estrelado. Quarto de hotel. Porta fechada. Velas espalhadas pelo espaço, cama lavada, pétalas de rosas vermelhas… e tudo perfumado com aroma intenso a jasmim. Benjamin aproximara-se de Alexandre para, num costume delicado, encostar a cabeça e falar-lhe junto ao ouvido: “Tenho… esta noite… só para nós”. Alexandre, imbuído numa volúpia insaciável, arrepiou-se. Via-se a pele de galinha pelas pernas, estendendo-se aos braços. Estavam já, somente, de roupa interior, sentados nos lençóis por abrir. O outro passara os dentes pelos lábios, enquanto as línguas viajavam de uma boca para outra, em beijos prazerosos, envolvendo-se numa profunda sede orgânica. Alexandre deixava-se levar com intensidade, o outro esticava o braço direito passando a mão pela perna dele e levando-a calorosamente até ao centro. À medida que esticava o elástico dos boxers, envolvia-se no membro duro e desconforme sem que desistisse de encolher os dedos dos pés que adivinhavam a orexia. Os beijos mudavam de intensidade, no tempo em que Benjamin tirava o que lhe restava fazendoo sentar-se no colo… posso dizer que estava em delírio, uma sensação de cortesia informal que se idealizava enfurecida pela ansiedade palpitante… bem, já estou a dispersar novamente… até porque, a partir daquele momento, posso dizer-vos que tudo começava a ficar mais selvagem, porque só restavam ambos nus, deitados um sobre o outro. As pernas afloravam-se em comunhão e os peitos friccionavam com cobiça e regalo. Alexandre tentava, sem esforço, esticar um pouco o braço e agarrar na garrafa de champanhe, aberta, que estava por cima da mesa de cabeceira, vertendo-a sobre os dois. Depois, só a língua podia fazer de sua justiça. O quê mesmo? Digamos que ensaboar-se, em movimentos cíclicos deleitosos, do sabor, requintado, derramado nos mamilos, na barriga morena, nos pelos finais do abdómen e… a fome, com a boca em oval num contentamento que a satisfazia. À medida que ia descendo e subindo, o falo aumentava. Era a grandiosidade do presente com a redução da entrada. Ouviam-se gemidos intermitentes de alívios conjugados com um jogo de cintura para que coubesse tudo sem restrições. Benjamin começara a suar e aqueloutro aproveitava a água do rosto para que pudesse, também, fazer jus da sua audácia, recriando os traços ondulatórios ao nível da cavidade buca que sufocava de tanta a intensidade carnal. Um tentava não se engasgar, o outro agarrava-se às extremidades da cama para não cair. Uma espécie de doce salgado que anestesiava os lábios, sem haver dor… simplesmente força. Até que as mãos entraram e as costas ergueram-se para, em movimentações altivas, atirar em jato o impulso nativo, escorrendo em bica para cima de Benjamin, que se seduzia ao ver o espetáculo sentindo a língua do companheiro na barriga e a sua sagacidade saindo num gesto ainda mais aliciante, com os lençóis ficando, no fim, por limpar. Ali adormeceram, bem juntos no sentimento que os unia. De um lado a esperança, do outro o fado. Lados inteiramente conscientes que se engenhavam ingénuos na paixão que sentiam. Tudo tão profundo, intenso e vivido.


Dali sonhavam, dava para entreouvir nos rostos que desenhavam em gestos confidentes. O quarto escureceu tão intensamente que corria uma energia desconfortável. Era quase dia, contudo o sol não dava ar de sua graça, não queria nascer, lá tinha as suas razões. E foram tão certas que, no fim da madrugada, acordei sobressaltado com o bater de uma porta, esfreguei os olhos e notei um papelinho dobrado em quatro ao meu lado… meu Deus! Como é que é possível? Eu tento, juro que tento distanciar-me, mas não consigo. Vivi isto, compreendei? Noto-me pulsar nas veias e noto-o respirar o meu ar. Considerar-me o Benjamin e ter de embelezá-lo ao meu feitio é paradoxal, mas é desafiante ao mesmo tempo. Portanto, e voltando, ele lá estava… deitado e agarrado ao papel que acabara de ler. Uma mensagem inesperada: “Acho que fomos rápidos demais.”. Pois é, Alexandre havia sumido. Caiu-lhe tudo. Afinal, uma história tão recheada de vida não poderia ter aquele fim. Só tinha um caminho: esclarecer tudo de uma vez. Pegou no telemóvel, que se amedrontava na mesa de cabeceira, e tremia a cada mensagem que escrevia. Estava noutro Universo. Só o outro lhe interessava. Plim! Resposta. Plim! Pergunta. Plim! Plim! A todo o segundo. Cá e lá, lá e cá. Alexandre explicou-lhe que não estava ainda preparado para ter ninguém. Não podia ser, havia um engano com certeza. Foi, então, aí que pensou em não retribuir mais qualquer comentário. Pegou no livro, de novo, e dali seguiu na sua deambulação. Onde? No jardim. Que sítio? No mesmo banco. Quando? À mesma hora.


Escuro. Noite. E o vento que não desfazia a dor que o consumia. Mas porquê uma atitude tão fria de parte a parte? É verdade que Benjamin estava confuso, com milhentas perguntas na cabeça, não queria que acabasse assim, aliás, não podia acabar, mas como? A história era linda. A vida não os pode ter unido para sofrerem assim daquela forma. Qual a razão de tudo aquilo? De facto, não tinha cabeça para nada. Deixou-se, simplesmente, entregar à leitura, até que, já perto da meia noite, ouviu um carro que parara nas suas costas. Saiu alguém, dava para perceber, porém não se conseguia decifrar. Aproximava-se a passos largos. Minha nossa senhora! Era ele. O livro voltou a cair, lá saberia porquê. Entregou-se ali, por completo, abraçou-o sem poder dizer alguma palavra. Era dele. E sentia-o assim, como dele. E a felicidade na cara um do outro era radiante, por se abrirem numa união que balbuciava de desejo. Viam isso. Não dava para enganar. Confidenciaram-se o tempo inteiro, essa era a mais pura das realidades, e a cada hora que passava, Benjamin apaixonava-se mais. Um erro. Um erro? Calma. Estamos a confundir as coisas, não é possível. Tem de haver uma solução. Um fascínio com tamanha cegueira não podia, nem por uma ponta, evidenciar quaisquer arrependimentos. Estavam frente a frente, uma conversa longa. Os olhos remexiam numa flama perturbante. Alexandre queria recuar, acabar o namoro, não se sentia bem, sentia-se desconfortável. O problema era ele, o próprio dizia. Não se primava ao ponto de conseguir poder valorizar-se e amar alguém. O que não significasse que Benjamin concordasse, porque só ele sabe como se sentiu ao ouvir o que já sabia. Magoado? Sim. Dorido? Muito. Acabado? Sem dúvida.


“A amizade ninguém nos tira”, foram as únicas palavras de Alexandre como solução ao problema. Era como dar uma facada a um cão. No final, passava-se a mão pelo pelo e dizia-se… “Pronto, foi só uma ferida, a faca era pequena. Vais conseguir, meu querido.”. Fazemos muito isso quando magoamos alguém sabendo que estamos certos, não é? Admitir o erro? Só para os corajosos. Na verdade, e o que contava, é que já não podiam querer construir o Amor do início, o abraço mais forte, o beijo mais sentido, a aventura mais inacreditável… Já não o podiam fazer. Porque acabou. E como “amigos” que eram, só queriam ver-se felizes. Benjamin só esperava que ele valorizasse o homem incrível que tinha dentro dele e digamos que… bem, se calhar prefiro falar diretamente. Tem outro encanto. E na primeira pessoa melhor ainda, por isso digo-vos, porque não devem saber, naturalmente, mas ele era de um âmago gigantesco, de uma ternura que, em toda a minha vida, nunca encontrei. E é isso mesmo. Apesar de pouco tempo, marcou uma fase da minha vida que estava completamente ábdita do meu alcance. Agradeço tanto por me ter cruzado com ele e confesso-vos que não queria mesmo que acabasse. Porque o sentia especial e fazia-me falta. Sim faz-me falta, agora, neste momento, embora a decisão tenha sido a mais correta. E… caramba! Nem imaginar como seria a nossa paixão, o nosso dois num só. Eu sei como a imaginei naqueles dias e isso ninguém me tira. Terá sempre um lugar guardado no meu coração. Mas atenção! Não vos confundis, alinhai-vos, porque eles permaneciam no jardim e já não tinham nada a dizer. Despediram-se com um abraço.


Alexandre retornou ao carro. Benjamin apanhou o livro e regressou às letras, soltando uma pinga de água salgada que tingia a palavra dor… e na frente uma frase que o absorveu de imediato: “Há pessoas que são apenas a viagem para chegarmos ao verdadeiro amor.”. Incrível como as coisas mudam em instantes sucessivos. Fazem-nos acreditar no impossível, tornando-o possível. Benjamin sabia disso, todavia também se bebia de outra infalibilidade: “Já preenches um pedaço de mim e assim ficarás até ao fim. Ponto final.”. Levantou-se e foi.

FIM

(Este texto é uma obra de ficção escrita, por isso qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência).