Ontem à noite decidi pôr-me na Netflix a cuscar o que havia para passar um bom momento de fim de dia. Queria um filme que me fizesse pensar e que ao mesmo tempo me fizesse esquecer a rotina de quarentena. A escolha não foi fácil, mas lá estava ele, outra vez, “A Plataforma”. Já o tinha fisgado noutras alturas difíceis como esta de escolher filmes para ver sozinho. Acho que naquele momento era o ponto certeiro para me fazer à estrada.
Bem, em primeiro lugar, não vos vou contar nenhum detalhe que revele o final do final nem a forma como o enredo se desenvolve, no entanto fiquei prisioneiro na mensagem por detrás da história. Em forma de resumo geral, existe uma prisão em forma de poço, com vários andares, tendo 2 pessoas distribuídas por cada um e, uma vez por dia, desce uma mesa, vinda do Andar 0, com comida muito bem confecionada para cada prisioneiro a usar como quiser. Essa mesma plataforma vai descendo, parando 2 minutos em cada bloco para as pessoas comerem. Claro que chegará uma parte onde já não há comida e, infelizmente, os mantimentos terão de ser outros, quem sabe até os próprios companheiros de cela. A cada 1 mês ficam num dos andares, ao fim de 30 dias adormecem por causa de um gás e é feita uma troca.
Em segundo lugar, o que me chocou, para além do muito sangue que existe, isso faz-me mesma muita confusão, tive de tapar os olhos nos momentos mais horrorosos, existe uma lição que se quer passar definitivamente. No caso do filme, se os reclusos de cima comessem apenas o suficiente ou jejuassem dia sim dia não para que os de baixo pudessem ter mais acesso à comida, netão não aconteceriam o açambarcamento à comida como vemos na história. A vida real é exatamente a mesma estratificação de classes. Os que mais podem fazem assumir-se perante os que menos posses têm e isso rompe por completo a pirâmide social em que estamos inseridos. Vejamos o caso desta pandemia. Quando foi decretado o Estado de Emergência, ou até mesmo antes, todos correram aos supermercados para encherem filas de carros de produtos que, ainda hoje, vos garanto que estão a apanhar pó nas prateleiras da despensa. Tem de haver acima de tudo uma grande e espontânea solidariedade pelo próximo, senão corremos o risco de sermos egoístas e não haver para quem, de facto, mais precisa.
Em terceiro lugar, pude notar ainda que, no filme, todos podiam escolher um objeto para levar. A maioria tinha, claro, facas, pistolas, fisgas, tacos, ou seja, tudo instrumentos de ataque pessoal para que, se os planos corressem mal, pudessem valer-se desses atributos para sobreviver. O protagonista, na sua inocência, levou um livro. Uma escolha muito interessante no desenrolar da ação. No entanto, e agora pergunto-me, até que ponto na nossa realidade do dia-a-dia não agiríamos desta forma num momento de apocalipse? Será que o instinto de sobrevivência canibal está mais presente em nós do que pensamos? Será que num ambiente capitalista, o socialismo é a salvação? Ou será que num cenário socialista, o capitalismo é o que nos dá alegrias? São as constantes perguntas que me faço depois do serão que passei.
Acima de tudo, tem de haver respeito uns pelos outros. É muito difícil, eu sei, somos 7 mil milhões de pessoas em todo o mundo, o que seria esta mensagem chegar da mesma forma a toda a gente, no entanto tenho a certeza que a solidariedade e a tolerância pelo próximo têm se sem obrigatoriamente os pilares da nossa sociedade.